
Biografia:
Isilda Nunes é uma artista, escritora e poetisa portuguesa, Doutora Honoris Causa em Filosofia, Letras, Artes e Humanidades em Barcelona. Ganhou numerosos prémios e reconhecimentos e é co-autora de numerosas antologias e autora de livros de poesia e prosa. Os seus poemas foram traduzidos em cerca de cinquenta línguas e publicados em muitos países. Tem participado e organizado eventos literários, culturais e de solidariedade a nível nacional e internacional. Entre outros cargos é Fundadora da UMEA (União Mundial de Escritores e Artistas); Presidente do Comité de Língua, Literatura e Artes Oratórias de „Modern Pythian Games“ e Presidente da Pythian Games-Portugal; Conselheira da Presidência da CIESART (Cámara Internacional de Escritores e Artistas) e Presidente da CIESART -Portugal; Vice-Presidente do Conselho Fiscal da MEL (Mulheres Empreendedoras da Lusofonia); Membro do Conselho de Administração da Editorial Atunis; Membro Titular da Academia LIK – Literatura, Artes, Comunicações; Embaixadora e Editora de Língua Portuguesa na Revista Literária e Artística Multilingue „The Archer“.
FIM DE LINHA
A margem transborda o silêncio da estação da incerteza.
Já não há rapto da Perséfone nem encanto da Psique.
Não há aves para desenhar o céu,
nem tochas para acender a noite.
Não há paixão, nem sussurro nem ardor.
A tua mão, árida de nós, acena o destino,
O desejo tricotado em lençóis de seda
esbate-se no adeus suspenso dos teus lábios.
Os corvos auguram geada
na linha do tempo.
Não vi mais as salinas de teus olhos
nem o mar do teu regaço.
A sonata em Adagio Sostenutto,
agoniza em pas de deux.
Na ausência lapidada,
o olhar vago
dita o veredito.
O cisne sucumbe no palco.
NÃO SEI QUE FALAR-TE
Não sei que falar-te,
quando meu olhar pousa no teu colo,
e atravessa, despudoradamente,
as fronteiras outonais,
como último raio de estio.
Ouso rodar, silenciosamente, a chave
e transpor as translúcidas manhãs
do meu corpo febril,
para mitigar a sede,
na vindima que sonho.
E, nesta sã loucura,
toco as estrelas para tas ofertar,
uma a uma,
demoradamente,
em amenas carícias,
no limiar das madrugadas.
QUEM ME DERA OUSAR-TE
no enigma do teu corpo
redesenhei-me.
no pulsar de tuas veias,
sorvi o elixir de ti.
à exaustão amei-te.
ah!
quem me dera ousar-te
na inexorável placidez da tua pele,
no mistério do teu olhar
e no abismo dos teus lábios
O ÚLTIMO TREM
De nós, somente resta a dor,
que me fustiga sofregamente a alma.
Onde paira o aroma de jasmim?
Onde vive a primavera anunciada?
Hoje, o cadáver de mim,
sobrevive no desalinho das emoções.
Poeira translúcida
voluteia nas fendas cavadas,
na face lacerada,
no corpo torturado.
Às mãos do pseudoamor,
o sagrado feminino ultrajado.
A carne flagelada.
A alma inerte, no atalho induzido.
Na curva da estrada,
o último trem
apela ao desapego.
E tu?
Friamente esmagas o cigarro.
O POEMA NASCE
Convoque-se os deuses!
Na morosidade incongruente blasfemam os astros.
O cosmos em desalinho exsuda vocábulos
que vogam nas interjeições subjetivas do nada.
Nos interstícios dos sonhos
pulsam os desejos em catarse bulímica
E no parto alquímico a obra nasce.
NO ETERNO RETORNO O VERBO
À sombra do silêncio esfumam-se sonhos,
dissolvem-se quimeras.
Moribunda, a cidade não urde a esperança,
no tricotar dos dias.
Olvidada, a fórmula para adentrar o Céu.
Hades joga às escondidas nas ruelas,
onde os espetros vagueiam.
Na esquina dúbia do Futuro,
Deméter em vão, implora Perséfone.
A Morte graceja, a Vida esvai-se.
À sombra do silêncio,
alheio à dor da cidade,
Criador e Criação em união simbiótica.
A evasão da Humanidade,
a incorporação do Divino no poder de tocar o Céu.
A Arte exsudada exulta à redenção.
Na ponta da pena o Devir,
no eterno retorno o Verbo.
E A PRIMAVERA ANUNCIADA?
Sem porvir,
quimeras vagueiam
na Terra moribunda.
A insanidade determina a direção.
Não há pomba que cruze as trevas,
nem as sombras da ignorância.
Apenas dor,
lamento e prece.
Na sala do resgate,
onde os espetros residem,
a Esperança agoniza.
O ingénuo sono da infância ameaçado.
Cronos traça a rota.
A humanidade, do abraço desabitado,
ora para escapar
ao fluxo crematório.
Na Terra moribunda,
alguns são apenas cemitérios.
E eu?
E tu?
E a Primavera anunciada?
O FILHO DA GUERRA
Sabes mãe, ontem ouvi-te chorar.
Fiquei com medo mãe.
Apercebi-me que as tuas lágrimas não vaticinavam coisa boa.
Há dias, que o pai não afaga a minha cabeça,
nem tu cantas a Nina Nana.
Sinto frio, mãe! Sinto noite!
Não durmo.
Ouço, continuamente, estrondos que estilhaçam a minha alma.
Sirenes que perfuram o meu corpo.
Balas que assassinam o meu futuro.
Naufrago na ansiedade que inunda o teu ventre em convulsões.
O teu coração parece explodir.
O teu corpo parece expulsar-me.
Tento agarrar-me ao cordão que se enrola no meu pé.
Em vão. Ele se escapa.
Mãe, tenho Medo!
Medo de viver na Humanidade.
Medo de morrer e de matar.
Já não me amas Mãe?
QUANTOS SOU?
Quantos sou?
Quantas almas tenho?
Não sei…
Vivo entre tempos, entre espaços, entre mundos.
Não sei quem me escreve, quem me pensa, quem me fala!
Sou eles!
E eles revivem eternamente em mim…
Rodopiam à minha volta em danças convulsivas que me atordoam!
Entre mim e eles existe uma porta entreaberta,
Que eu talvez esquecesse de fechar!
NÃO ME DEFINO NEM SEI QUEM SOU
Não me defino, nem sei quem sou…
Onde me começo
E onde me acabo?
Sou a bússola que no Tempo perdeu o Norte,
Sou a gota esquecida no turbulento mar da vida,
Sou a pluma esvaecida levada pelo vento agreste,
Sou a ave selvagem, buscando as penas perdidas…
Trago em mim um além-Tempo,
um Gerúndio que transporta toda a conjugação dos Verbos!
Sinto todos os partos do mundo e o êxtase das primaveras!
Navego em tártaro rio em busca da minha foz,
E eternamente me encontro nas margens em que me perco…